Do livro "Direito e Justiça" Um Olhar Espírita. Milton Medran Moreira
Situamos o leitor no tempo em que Kardec trabalhava na organização de O Livro dos Espiritos ( 1857 ), quando essas ideias da busca da igualdade, através da luta de classes, fervilhavam na Europa, preparando a Revolução Bolchevista a partir da qual, no século seguinte, o mundo se dividiria em duas grandes fatias.
Recordando-nos disso, será mais facilmente possivel contextualizar algumas perguntas que Kardec fez aos Espíritos, a partir desta onde, contráriamente a alguns conceitos religiosos tb combatidos pelos socialistas, ficaria claramente assentado o princípio de que as desigualdades sociais só existem por culpa exclusiva do homem e não por desígnios divinos.
A desigualdade das condições sociais é uma lei natural ?
Não, ela é obra do homem e não de DEUS.
Essa desigualdade desaparecerá um dia ?
De eterno não há senão as Leis de DEUS. Vós não vedes essa desigualdade se apagar pouco a pouco todos os dias?
Essa desigualdade desaparecerá juntamente com a predominância do Orgulho e do Egoísmo, e não ficará senão a desigualdade de mérito. Um dia virá em que os membros da grande família dos filhos de DEUS não se avaliarão pelo SANGUE mais ou menos, puro.
Não há senão o Espírito que é mais ou menos puro, e isso não depende da posição social.
(Questão 806 de O Livro dos Espíritos, cap. " Lei de Igualdade"sub titulo " desigualdades sociais")
Como de resto em toda a filosofia espírita, o caminho para a solução dos grandes problemas políticos e sociais da humanidade é posta na questão moral. Orgulho e Egoísmo humanos,
são a base de todos os grandes males que nos afligem.
Especificamente, sobre o sonho da igualdade de riquezas que, na visão socialista, seria possivel,tornando-se, inclusive, base concreta para a construção de uma sociedade, Kardec travou com os Espíritos o seguinte diálogo, onde seus interlocutores recusam a hipótese:
"-- A igualdade absoluta das riquezas é possivel e alguma vez existiu ?
-- Não ela não é possivel. A diversidade das Faculdades e dos Caracteres a ela se opõem.
--- Há, todavia, homens que crêem estar aí os remédios dos males da sociedade. Que pensais a respeito ?
--- Eles são sistemáticos ou ambicionam por inveja. Não compreendem que a igualdade que eles sonham seria logo desfeita pela força das coisas. Combatei o egoísmo que é a vossa praga social, e não procureis quimeras. ( Questão 811 do LE, sub titulo" desigualdade de riquezas" ).
-- Se a igualdade das riquezas não é possivel, ocorre o mesmo com o bem-estar ?
-- Não, mas o bem-estar é relativo e seria possivel a cada um, um dia, se todos se entendessem bem......porque o verdadeiro bem-estar consiste; no emprego do tempo de acordo com a vontade, e não em trabalhos para os quais não se sente nenhum gosto.
Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer.
O equilibrio existe em tudo, é o homem que quer alterá-lo.
A partir desses questionamentos e das posicões sugeridas pelos Espíritos, dois princípios estão assentados e que são fundamentais no raciocínio ESPÍRITA:
1-- A sociedade justa com que todos sonhamos é, sim, possível, mas não de uma forma onde haja absoluta igualdade de riquezas. Mesmo que esta fosse estabelecida, artificialmente, a diversidade retornaria " pela força das coisas " ( expressão frequentemente usada na codificação Kardequiana para designar os resultados advindos da Lei Natural).
2-- As aptidões humanas, sempre diferenciadas em cada indivíduo, deveriam ser utilizadas inteligentemente pela sociedade para que, cada um fazendo aquilo para o quê está naturalmente vocacionado, contribuam todos para para o atingimento de uma sociedade justa, onde o bem - estar, ou seja, a fruição dos bens da vida, a todos aproveite, permitindo viverem todos com dignidade.
No exame da questão igualdade/desigualdade á luz do pensamento espírita, nunca devemos perder de vista o pressuposto doutrinário de que , na sua origem o Espírito parte de uma condição de plena igualdade: todos somos "criados" simples e ignorantes. Isto é: atingimos a condição humana, no pleno processo evolutivo a que estamos submetidos, em condições que nos igualam. Pouco a pouco, nos vamos libertando do determinismo a que estão vinculadas as consciências pré-humanas e vamos desenvolvendo então, a racionalidade e o livre-arbítrio em faixas cada vez mais amplas. Isso nos torna diferentes. No estágio em que nos encontramos, somos de tal forma diferenciados, um do outro, que podemos dizer: cada indivíduo é um mundo de experiências, de emoções, de conhecimentos, de aptidões etc., que se vão agregando a seu patrimônio espiritual, encarnação após encarnação.
Iguais na origem, diferentes quando vistos num dado momento da experiência de cada um, e, ao mesmo tempo, rumando, todos, para um idêntico destino de plenitude e felicidade.
Essa é a equação através da qual devemos ver o homem na sociedade, a partir da perspectiva de sua natureza espiritual. Querer igualar todos em recursos, aptidões, emoções, gostos, preferências,, crenças, valores etc., será forçar a natureza humana.
Disso se apercebeu o direito moderno que, modulando o pricípio de que " todos são iguais perante a lei", cunhou este outro: " O verdadeiro direito consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais". Isto é : já que nossas experiências, conjugadas com as tantas injustiças humanas, nos colocam, em dado momento, em patamares tão diferenciados de inteligência, percepção, capacidades, saúde, e, tb, de recursos materiais, a sociedade politícamente organizada deve envidar esforços para criar formas de promoção humana onde as carências de uns sejam supridas pela abundância de recursos que outros detêm.. Daí, tb, o dito popular de que " ningém é tão pobre que nada tenha a oferecer, nem tão rico que nada precise receber dos outros".
Somos todos, em qualquer nível humano, carentes de alguns recursos dos quais outros nos podem ( e devem ) abastecer. Se isso vale para as pequenas comunidades, onde, de certa forma, esses ideais são facilmente ixequíveis, pela proximidade com que uns e outros vivem, vale, tb, para uma nação e para a sociedade humana como um TODO.
( CONTINUA: próximo texto: "Quando a força faz o direito - o homem e a mulher."
Paz AMOR e Luz.
Manuel
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