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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O estranho peregrino


(reflexão natalina)

O estranho peregrino

Por Edward Santos

Feliz com as irradiações afetivas que se projetavam da Terra em direção ao Cosmos, sensibilizei-me com o que via as pessoas fazendo, falando, escrevendo, pensando e planejando. Tocado por esse eflúvio de afetividade e amor que pairava na atmosfera terrena, deixei-me atrair para a crosta do planeta e dispus-me a visitar alguns lares.
Com as cautelas necessárias, para não causar nenhum impacto nem choque de qualquer espécie, e, como já havia feito antes, disfarcei-me assumindo uma forma humana de homem comum. Vesti uma túnica surrada, como a usada outrora; dei um jeito de prender os cabelos longos para trás, tal qual fazem alguns jovens de hoje; calcei as sandálias rústicas que já me conduziram por tantos caminhos queridos e, finalmente, apaguei de minha aura o esplendor natural, dando-lhe consistência e cor terrenas.
Assim preparado, apareci em via pública, sem ter atraído a atenção dos pouquíssimos transeuntes que caminhavam, cada qual, em direção ao seu lar. Assim, despercebido, deixei-me conduzir pela via iluminada da cidade grande e busquei residência próxima, adornada de luzes e flores.
Seria ali minha primeira constatação dos verdadeiros efeitos que o Natal produzia nas pessoas e como ele era de fato celebrado. Sem ingressar no espaço do jardim, pude observar pela janela frontal o clima interior daquele ambiente. Numerosa família reunida agitava-se na festividade reinante entre risos de contentamento, comidas variadas e regadas a vinhos e espumantes generosos. Gargalhadas fartas revelavam o evidente clima de humor, alegria e satisfação por estarem juntos. Anciães respeitosos recebiam especiais atenções dos mais jovens que os reverenciavam com delicadezas e cortesias. Homens e mulheres intercambiavam amabilidades e gentilezas. Jovens e crianças divertiam-se com jogos ingênuos e agitavam-se com gritos e correria pela sala vasta. Ao canto, adornada em colorido de luzes, bolas, e flores cintilantes, uma esplendorosa árvore destacava-se com a imponência de sua imagem. Aos seus pés, um monte incontável de pacotes e volumes evidenciava os presentes em via de serem entregues.
Com a precaução de não transgredir a intimidade daquela família, toquei suavemente a campainha e percebi imediatamente o efeito do som pela súbita interrupção do ruído interior e algumas exclamações questionando quem poderia ser àquela hora. Não tardou nada para que simpática matrona aparecesse à porta com vasto sorriso que ao me ver, converteu-se em expressão de indisfarçada indignação.
- Sim? O que pretendes a essa hora? – exclamou contundente.
- Avia-te depressa pois tenho a casa cheia de convidados e sua presença acaba de interromper momento de alegre encontro familiar.
- Gostaria – respondi delicado – de verificar em seu ambiente, se me permitires, o verdadeiro significado do Natal. Sentir como de fato essa data é vivida em uma família tão requintada como a sua. Constatar, como as pessoas, como vocês, celebram esse evento, desfrutar, enfim, de alguma sobra de seu alimento farto já que tenho fome.
Sem quase me permitir concluir a explicação, num lampejo de fúria e com olhar dardejante, a mulher explodiu em impropérios e disse:
- Ora o que? Então, hoje é dia? e isso são horas para pesquisas? – e prosseguiu – o senhor acredita que vou abrir minha porta e meu lar a intruso inconveniente com propósito tão absurdo?
- Mas – acrescentei com serenidade – não foi o aniversariante de hoje que sugeriu se fizesse aos pequeninos como se a Ele mesmo estivéssemos fazendo?
- Então o senhor pretende me catequizar na noite de Natal – insistiu no gesto rude – como se me pudesse ensinar algo? Veja se te enxergas, ora bolas!
E tempestivamente, batendo a porta, regressou ao interior. Senti perfeitamente que, lá dentro, enquanto sumarizando, concluía a narração do episódio, contou com a solidariedade do grupo que, após ouvi-la atentamente, prorrompeu em gargalhadas pela maneira que ela descreveu o fim de nosso diálogo.
Sem me deixar afetar pela experiência concluída, caminhei por um momento já em direção à periferia da cidade quando deparei com outra residência, agora de evidente padrão remediado. Exibindo singela fieira de lampadinhas coriscantes pendurada à única janela frontal, modesta casinha portava a presença de alguns poucos integrantes da família em semelhante clima natalino.
Ao canto da sala modesta, pequena mesa exibia alguns pratos preparados com antecedência. Velas coloridas acesas revelavam bolos, tortas e alguns doces variados. Carnes e saladas completavam a ceia já disposta.
Subi os degraus da escada e bati gentilmente à porta esperando ser ouvido.
Desta vez, foi o provável chefe da família que me atendeu.
- Senhor – disse-lhe com todo cuidado – boa noite e Feliz Natal! Desculpe-me importuná-lo em momento tão importante para todos os seus.
Num misto de suspeita e indiferença questionou-me austeramente:
- O que deseja? Você percebe o inadequado do momento para bater à porta das pessoas?
- Claro – respondi – por isso pretendo ser breve, mas sem ir-me antes de concluir simples verificação que quero realizar nesta noite tão especial.
- Gostaria, se o senhor me permitisse – prossegui explicando – aprender a respeito do verdadeiro significado do Natal. Compreender como é possível que o nascimento de um menino, já há tantos séculos, possa ainda ter tanta importância para os lares terrenos. Descobrir enfim, por que hoje é um dia tão especial? Quem sabe dispor de sua generosidade e receber algum alimento, pois tenho fome.
O homem, dentro da destacada simplicidade, não se fez de rogado e, sem rodeios, me respondeu:
- Sinto muito meu amigo, mas hoje não é noite para esse tipo de conversa, principalmente em tendo o senhor aparecido aqui, sem que eu o conheça para questionamento tão fora de hora. O senhor não sabe dos problemas de segurança que os lares em geral enfrentam com as desculpas mais esfarrapadas que os malandros apresentam para ingressar nas casas? Como é que eu poderia deixar o senhor entrar em minha casa após tudo que tenho testemunhado?
- Mas hoje é Natal! – insisti – não é possível que haja noite mais importante para se falar sobre o que pretendo elucidar. É muito importante que eu volte à minha morada comprovando o verdadeiro significado do Natal na Terra.
- Permita-me, por favor, verificar isso em sua família – arrematei suplicante.
- Sinto muito – disse despedindo-me o homem – mas não será em minha casa que um estranho vai entrar na noite de Natal para esse papo! Boa noite e passe bem!
Com semelhante indelicadeza sentida já na primeira casa, a porta fechada pôs fim a minha segunda tentativa.
Pela importância de meu propósito pessoal, continuei minha marcha e prossegui buscando um novo lar onde pudesse efetivar minha constatação.
Sem ter sido atraído para nenhuma outra residência do caminho, atingi o extremo da periferia onde extenso casario denotava penúria e miséria. Dentre as casas humildes e os barracos dali, eu não conseguia visualizar um único local onde alguém estivesse dando mostras de comemoração ou festividade. A cada passo defronte às casinhas simples, observava singelos grupos em diálogo comum, e em alguns poucos, pude notar pessoas em refeição regular, mas com a intenção de celebrar o Natal. Não vi luxo nem excesso. Uma ou outra arvorezinha rudemente decorada servia para causar a ilusão do símbolo. Na maioria, as crianças já estavam recolhidas em seus leitos. Os adultos falavam dos temas do dia-a-dia sem eximirem-se das preocupações e lutas, cada qual de suas próprias vidas.
Percebi que ali seria difícil identificar grupo que me acolhesse para assunto relacionado ao Natal, seu significado, etc. Foi quando atingi o portal de humilde vivenda, rusticamente erguido com sobras de materiais e mal poderia ser classificada como “casa”. Pela porta entreaberta, pude visualizar a figura de uma mulher, só, sentada e sob forte expressão de tristeza e amargura.
Com o respeito que devemos a todos, aproximei-me e saudei-a afirmando:
- Feliz Natal minha amiga! – ao que ela de pronto respondeu:
- Feliz Natal para o senhor também, se é que gente como nós pode ter Natal feliz.
E sem que eu dissesse nada, levantou-se, veio até a porta e me disse:
- “Vamo chegá”. Num repara a desordem. O barraco é apertado, mas aqui está tudo que tenho. Vida dura essa minha!
Deixei-me ingressar no ambiente parcialmente iluminado pela lamparina do interior e a uma luz externa, de um vizinho, que adentrava ao ambiente. Tudo ali dentro era rústico e simples. A mesinha, com apenas duas cadeiras diferentes, compunha o mobiliário do único ambiente, ao lado de fogão improvisado bem ao lado de pequena cama desalinhada onde duas meninas de seus 5 e 7 anos dormiam profundamente. Entre as paredes próximo ao teto em um arame, pendiam algumas peças de roupas misturadas.
- O que alguém como o senhor faz sozinho por aqui a essa hora? – indagou-me.
- Num sabe dos perigos que é andar por aqui tão tarde? - Isso aqui é lugar muito perigoso! – arrematou.
- Não minha amiga isso não me preocupa – respondi amável – confio na proteção que tenho de Deus.
- Louvado seja o nome dele – acrescentou a mulher ao ouvir a palavra: Deus.
- Não se preocupe com minha visita rápida. Sei que a senhora não me conhece, mas não quero que tenha nenhuma apreensão com minha presença. Sou de paz!
- Eu também sou de paz – disse ela.
- Mas o que o senhor faz por aqui? – agora era ela que me questionava.
- Estou fazendo, como me disseram a pouco, uma pesquisa. Uma verificação. Pretendo, depois de tanto tempo, descobrir qual é o verdadeiro significado do Natal na vida das pessoas e nas famílias em geral. Busco saber como o nascimento de um menino lá na Palestina antiga, conseguiu se transformar numa data para comemoração de uma festa quase no mundo inteiro. Quero, enfim, saber o que significa o Natal para a senhora?
- Ah meu amigo! – exclamou ela e prosseguiu – logo comigo o senhor vem perguntar sobre Natal? Eu não sou a melhor pessoa para falar disso.
- Mas, minha filha, eu quero lhe ouvir assim mesmo! Explique para mim o que é o Natal “na sua opinião” – insisti solícito.
- Natal, Natal, deixe-me ver – divagava enquanto tentava organizar as idéias – é difícil falar sobre isso, mas eu vou tentar assim mesmo. Natal deveria ser um dia comemorado mais vezes durante os dias do ano. Natal é um imenso transe coletivo em que a maioria das pessoas do mundo modifica cada uma a sua maneira regular de ser e assume uma postura muito melhor em relação aos outros. E nesse transe, agem, falam, pensam, sentem e fazem tudo como deveria ser em todos os dias. Natal é um sonho bom do qual a gente acorda, no dia seguinte e sente uma saudade imensa por ter sonhado.
- Desculpe-me – interrompeu ela o pronunciamento – não lhe oferecer nada porque não tenho mesmo nada para oferecer. Tive que pôr as meninas mais cedo na cama para impedir o constrangimento delas verem alguma casa vizinha celebrando, mesmo que com simplicidade, o Natal aqui por perto.
- Não se preocupe em me oferecer nada, apenas continue a me dizer o que é este Natal que a senhora está descrevendo – afirmei.
E ela prosseguiu falando num misto de êxtase, tristeza e reminiscências:
- Natal é o dia em que um marido não deveria estar ausente após ter concedido duas filhas para uma mulher pobre, ingênua e despreparada para ficar com elas sozinha e ela saber que ele não vai voltar mais.
- Natal é eu ter trabalhado os últimos dois dias na casa de minha patroa, preparando as carnes para os assados; lavando e selecionando frutas, verduras, legumes que irão compor a ceia de Natal e ter sido dispensada de mãos vazias ao fim do expediente com apenas um voto de “Feliz Natal para você e as meninas”.
- Natal é chegar aqui no barraco e não ter o que comer, ou um refrigerante, uma fatia de qualquer coisa para oferecer às meninas em homenagem ao aniversariante deste dia: o Senhor Jesus!
- Natal, é saber que o sacrifício dÊle de amor à Humanidade e ao semelhante, perdeu lugar para o comércio que se instituiu nos dias que deveriam ser de prática do amor, da caridade, da fraternidade...
- Natal, hoje, é comprar para dar. É dar esperando receber algo em troca...
- É ser convidado para um evento, pelo fato de poder dar presentes caros e não por que sua presença é querida entre os anfitriões.
- Natal é dia de perdão que, às vezes, é concedido na sua noite e desaparece no dia seguinte devido ao ciúme, a inveja, o despeito, orgulho e a vaidade.
- É dia de amor que dura tão pouco.
- Natal, para mim, é ter que explicar para minhas meninas que o Papai Noel não vem até aqui. Dizer que ele fica muito ocupado na cidade grande percorrendo, tantas casas ricas, onde as crianças podem mandar e-mails, telegramas, cartas e “torpedos” via celular pedindo-lhe os presentes que querem ganhar.
- Natal é a dificuldade que eu sinto em olhar minhas filhas descalças, famintas, desesperançadas, sem nada e que não podem descobrir nada sobre o Natal, porque esse dia, para elas, é um dia de privações como todos os outros do ano que passamos juntas e com tantas necessidade.
- Natal é a dor que eu sinto por saber que trabalho tanto e eu não consigo dar nada à elas, para que saibam que: Natal é a festa que celebra o nascimento de Jesus, lá na Palestina, como o senhor me disse, há mais de 2000 anos. Que Deus nos enviou seu filho para que as lições e os exemplos dÊle ajudassem a Humanidade a ser melhor do que ela estava sendo. Que no gesto de nascer numa manjedoura, Jesus queria nos mostrar que mais importante do que o luxo e a ostentação transitória é a humildade e a paz perpétuas. Queria poder dizer a elas que o Natal é o dia em que nós, pessoas do mundo, paramos de pensar em nós mesmos para pensarmos nÊle e fazermos pelos pequeninos e desvalidos aquilo que Ele nos ordenou que fizéssemos.
- Enfim, Natal é conservar a porta de nosso coração aberta todos instantes para que os viandantes, necessitados, carentes, visitantes, amigos ou não, pudessem ser acolhidos com o melhor amor que nós tivermos para que, assim, Jesus, ficasse muito contente com nossa maneira de ser...
- Desculpe-me falar tanto – interrompeu-se repentinamente – acho que já falei demais. Não sei se é isso que o senhor está perguntando.
- Agradeço-lhe a sinceridade de seu coração – disse-lhe comovido – de fato seu depoimento basta para concluir minha pesquisa. Quero deixar-lhe minha maior gratidão pela acolhida que me deu em seu lar e no seu coração.

Agradecendo delicadamente a ela por tudo que me havia oferecido, pedi licença para prosseguir em meu caminho, principalmente por que já estava, de fato, muito tarde e regressei à minha morada após tão valiosa constatação. Não, sem antes ter-lhe afirmado categoricamente:
- Obrigado filha por todas as suas palavras. Sim, suas colocações foram muito felizes em descrever o Natal, como é e como deveria ser, por isso, estou absolutamente convicto de que Jesus, certamente, está neste instante “muito contente com a sua maneira de ser...”
-
Ela ainda naquele ímpeto de desconfiança e ingenuidade, ainda insistiu em perguntar:
- Como o Senhor sabe que Jesus pode neste instante estar contente comigo?
- Eu respondi sorrindo: Ele sabe, minha filha. Ele sabe!

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Edward Santos
Dezembro de 2008

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