Sob suas formas variadas ao infinito, a mediunidade abarca a humanidade inteira, como um feixe ao qual ninguém poderá escapar. Cada um, estando em contato diário, saiba-o ou não, queira-o ou se revolte, com inteligências livres, não há um homem que possa dizer: Não fui ou não serei médium. Sob a forma intuitiva, modo de comunicação ao qual vulgarmente se deu o nome de voz de consciência, cada um está em relação com várias influências espirituais, que aconselham num ou noutro sentido e, muitas vezes, simultâneamente, o bem puro, absoluto; acomodações com o interesse; o mal em tôda a sua nudez. - O homem evoca essas vozes; elas respondem ao seu apêlo, e ele escolhe; mas escolhe entre essas diversas inspirações e o seu próprio sentimento. - Os inspiradores são amigos invisíveis; como os amigos da Terra são sérios ou fortuítos, interesseiros ou verdadeiramente guiados pela afeição.
São consultados, e eles aconselham espontâneamente, mas, como os conselhos dos amigos da Terra, seus conselhos são ouvidos ou rejeitados; muitas vêzes provocam um resultado contrário ao que se espera; muitas vêzes não produzem qualquer efeito. - Que concluir daí? Não que o homem esteja sob o poder de uma mediunidade incessante, mas obedece livremente à própria vontade, modificada por avisos que jamais podem ser imperativos, no estado normal.
Quando o homem faz mais do que ocupar-se de pequenos detalhes de sua existência, e quando se trata de trabalhos, que veio realizar mais especialmente, de provas decisivas que deve suportar, ou de obras destinadas à instrução e à elevação gerais, as vozes da consciência não se fazem mais somente e apenas conselheiras, mas atraem o Espírito para certos assuntos, provocam certos estudos e colaboram na obra, fazendo ressoar certos compartimentos cerebrais pela inspiração. Está aqui uma obra a dois, a três, a dez, a cem, se quiserdes; mas se cem nela tomarem parte, só um pode e deve assiná-la, porque só um a fez e é o responsável!
Que é uma obra, afinal e contas, seja qual for? Jamais é uma criação; é sempre uma descoberta. O homem nada faz: tudo descobre. É preciso não confundir estes dois termos. Inventar, no seu verdadeiro sentido, é por à luz uma lei existente, um conhecimento até então desconhecido, mas posto em germe no berço do universo. Aquele que inventa levanta a ponta do véu que oculta a verdade, mas não cria a verdade. Para inventar é preciso procurar e procurar muito; é preciso compulsar livros, cavar no fundo das inteligências, pedir a um a mecânica, a outro a geometria, a um terceiro o conhecimento das relações musicais, a outro ainda as leis históricas, e do todo fazer algo de novo, de interessante, de inimaginado.
Aquele que foi explorar os recantos das bibliotecas, que ouviu falarem os mestres, que perscrutou a Ciência, a Filosofia, a Arte, a Religião, da antigüidade mais remota até os nossos dias, é o médium da Arte, da História, da Filosofia e da Religião? É o médium dos tempos passados, quando por sua vez escreve? Não porque não conta pelos outros, mas ensinou os outros a contar e enriquece os seus relatos de tudo o que lhe é pessoal. - Por muito tempo o músico ouviu a cotovia e o rouxinol, antes de inventar a música; Rossini escutou a natureza antes de traduzi-la para o mundo civilizado. É o médium do rouxinol e da cotovia? Não: compõe e escreve. Escutou o Espírito que lhe veio cantar as melodias de céu; ouviu o Espírito que clamou a paixão ao seu ouvido; ouviu gemerem a virgem e a mãe, deixando cair, em pérolas harmoniosas, sua prece sobre a cabeça do filho. O amor e a poesia, a liberdade, o ódio, a vingança e numerosos Espíritos que possuem esses sentimentos diversos, cada um por sua vez cantou sua partitura ao seu lado. Ele as escutou, as estudou, no mundo e na inspiração, e de um outro fez as suas obras. Mas não era médium, como não o é o médico que os ouve doentes contando os que sofrem, e que dá um nome às suas doenças. - A mediunidade teve suas horas num como no outro; mas desses momentos muito curtos para a sua glória, o que fez apenas à custa dos estudos colhidos dos homens e dos Espíritos.
Deste ponto, é-se médium do todos; é-se o médium da natureza, o médium da verdade, o médium muito imperfeito, porque muitas vezes ela parece de tal modo desfigurada pela tradução, que é irreconhecível e desconhecida. - Allan Kardec.
- Revista Espírita de 1869, mês de março -
Enviado pelo irmão e bom amigo do jornalinho Braz José Marques
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