Exposição de Motivos
I
Considerações preliminares
O Espiritismo teve, como todas as coisas, o seu período de gestação e, enquanto todas as questões, principais e acessórias, que dele derivam não se acharem resolvidas, somente pode dar resultados incompletos. Entreviu-se-lhe a finalidade, pressentiram-se-lhe as consequências, mas apenas de modo vago. Da incerteza sobre pontos ainda não determinados haviam forçosamente de nascer divergências sobre a maneira de os considerar; a unificação tinha que ser obra do tempo e se efetuou gradualmente à medida que os princípios se foram elucidando. Unicamente quando tiver desenvolvido todas as partes em que se desdobra é que a Doutrina formará um todo harmônico e só então se poderá julgar do que é o Espiritismo.
Enquanto ele não passava de uma opinião filosófica, não podia contar, da parte de seus adeptos, senão com a simpatia natural que a comunhão de idéias produz; nenhum laço sério podia existir entre eles, por falta de um programa claramente traçado. esta, evidentemente, a causa fundamental da débil coesão e da instabilidade dos grupos e sociedades que logo se formaram. Por isso mesmo, constantemente procuramos, e com todas as nossa forças, afastar os espíritas do propósito de fundarem prematuramente qualquer instituição especial com base na Doutrina, antes que esta assentasse em alicerces sólidos. Fora exporem-se a fracassos inevitáveis, cujo efeito teria sido desastroso, pela impressão que produziriam no público e pelo desânimo em que lançariam os adeptos. Semelhantes fracassos talvez retardassem de um século o progresso definitivo da Doutrina, a cuja impotência se imputaria um insucesso, devido, na realidade, à imprevidência. Por não saberem esperar, a fim de chegarem no momento exato, os muito apressados e os impacientes, em todos os tempos, hão comprometido as melhores causas. (Ver a Revista Espírita de julho de 1869, página 193).
Não se deve pedir às coisas senão o que elas podem dar, à medida que se vão pondo em estado de produzir. Não se pode exigir de uma criança o que se pode esperar de um adulto, nem de uma árvore que acaba de ser plantada o que ela dará quando estiver em toda a sua pujança. O Espiritismo, em via de elaboração, somente resultados individuais podia dar; os resultados coletivos e gerais serão fruto do Espiritismo completo, que sucessivamente se desenvolverá.
Se bem não haja ele dito ainda sua última palavra sobre os pontos, aproxima-se do seu complemento e soou a hora de se lhe oferecer uma base forte e durável, suscetível, contudo, de receber todos os desenvolvimentos que as circunstâncias ulteriores comportem e que ofereça toda a segurança aos que inquiram quem lhe tomará as rédeas, depois daquele que lhe dirigiu os primeiros passos.
A Doutrina é, sem dúvida, imperecível, porque repousa nas leis da Natureza e porque, melhor do que qualquer outra, corresponde às legítimas aspirações dos homens. Entretanto, a sua difusão e a sua instalação definitiva podem ser adiantadas ou retardadas por circunstâncias várias, algumas das quais subordinadas à marcha geral das coisas, outras inerentes à própria doutrina, à sua constituição e à sua organização.
Conquanto a questão de substância seja preponderante em tudo e acabe sempre por prevalecer, a questão de forma tem aqui importância capital; poderia mesmo sobrepujar momentâneamente e suscitar embaraços e atrasos, conforme a maneira por que fôsse resolvida.
Houvéramos, pois, feito coisa incompleta e deixado grandes dificuldades para o futuro, se não prevíssemos as que podem surgir. Com o intuito de evitá-las foi que elaboramos um plano de organização, pondo em jogo a experiência do passado, a fim de evitar os escolhos contra que se chocaram a maioria das doutrinas que apareceram no mundo.
O plano aqui exposto concebemo-lo há longo tempo, porque sempre nos preocupamos com o futuro do Espiritismo. Fazemo-lo pressentir, em diversas ocasiões, vagamente, é certo, mas o bastante para mostrar que não é esta, hoje, uma concepção nova e que, trabalhando na parte teórica da obra, não nos descuidávamos do lado prático.
Allan Kardec
(O texto é do livro Óbras Póstumas - Seguna Parte)
Enviado pelo irmão amigo e colaborador: Braz José Marques
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