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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
A ILUSÃO DO DISCÍPULO
Jesus havia chegado a Jerusalém sob uma chuva de flores.
De tarde, após a consagração popular, caminhavam Tiago e Judas, lado a lado, por uma estrada antiga, marginada de oliveiras, que conduzia às casinhas alegres de Betânia.
Judas Iscariote deixava transparecer no semblante íntima inquietação, enquanto no olhar sereno do filho de Zebedeu fulgurava a luz suave e branda que consola o coração das almas crentes.
– Tiago – exclamou Judas, entre ansioso e atormentado – não achas que o Mestre é demasiado simples e bom para quebrar o jugo tirânico que pesa sobre Israel, abolindo a escravidão que oprime o povo eleito de Deus?
– Mas – replicou o interpelado – poderias admitir no Mestre as disposições destruidoras de um guerreiro do mundo?
– Não tanto assim. Contudo, tenho a impressão de que o Messias não considera as oportunidades. Ainda hoje, tive a atenção reclamada por doutores da lei que me fizeram sentir a inutilidade das pregações evangélicas, sempre levadas a efeito entre as pessoas mais ignorantes e desclassificadas.
Ora, as reivindicações do nosso povo exigem um condutor enérgico e altivo.
– Israel – retrucou o filho de Zebedeu, de olhar sereno – sempre teve orientadores revolucionários; o Messias, porém, vem efetuar a verdadeira revolução, edificando o seu reino sobre os corações e nas almas!...
Judas sorriu algo irônico e acrescentou :
– Mas, poderemos esperar renovações, sem conseguirmos o interesse e a atenção dos homens poderosos?
– E quem haverá mais poderoso ao que Deus, de quem o mestre é o Enviado divino?
Em face dessa invocação Judas mordeu os lábios, mas prosseguiu:
– Não concordo com os princípios de inação e creio que o Evangelho somente poderá vencer com o amparo dos prepostos de César, ou das autoridades administrativas de Jerusalém, que nos governam o destino. Acompanhando o Mestre nas suas pregações em Cesaréia, em Sebaste, em Corazin e Betsaida, quando das suas ausências de Cafarnaum, jamais o vi interessado em conquistar a atenção dos homens mais altamente colocados na vida. É certo que de seus lábios divinos sempre brotaram a verdade e o amor, por toda parte; mas, só observei leprosos e cegos, pobres e ignorantes, abeirando-se de nossa fonte.
– Jesus, porém, já nos esclareceu – obtemperou Tiago, com brandura – que o seu reino não é deste mundo.
Imprimindo aos olhos inquietes um fulgor estranho, o discípulo impaciente revidou com energia:
- Vimos hoje o povo de Jerusalém atapetar o caminho do Senhor com as palmas da sua admiração e do seu carinho; precisamos, todavia, impor a figura do Messias às autoridades da Corte Provincial e do Templo, de modo a aproveitarmos esse surto de simpatia. Notei que Jesus recebia as homenagens populares sem partilhar do entusiasmo febril de quantos o cercavam, razão por que necessitamos multiplicar esforços, em lugar dele, afim de que a nossa posição de superioridade seja reconhecida em tempo oportuno.
– Recordo-me, entretanto, de que o Mestre nos asseverou, certa vez, que o maior na comunidade será sempre aquele que se fizer o menor de todos.
– Não podemos levar em conta esses excessos de teoria. Interpelado que vou ser hoje por amigos influentes na política de Jerusalém, farei o possível por estabelecer acordos com os altos funcionários e homens de importância, afim de imprimirmos novo movimento às idéias do Messias.
– Judas! Judas!... – observou-lhe o irmão de apostolado, com doce veemência – vê lá o que fazes! Socorreres-te dos poderes transitórios do mundo, sem um motivo que justifique êsse recurso, não será, desrespeito à autoridade de Jesus? Não terá o Mestre visão bastante para sondar e reconhecer os corações? O hábito dos sacerdotes e a toga dos dignitários romanos; são roupagens para a Terra... As idéias do Mestre são do céu e seria sacrilégio misturarmos a sua pureza Com as Organizações viciadas do mundo!... Além de tudo, não podemos ser mais sábios, nem mais amorosos do que Jesus e ele sabe o melhor caminho e a melhor oportunidade para a conversão dos homens!... As conquistas do mundo são cheias de ciladas para o espírito e, entre elas, é possível que nos transformemos em órgão de escândalo para a verdade que o Mestre representa.
Judas silenciou, atormentado.
No firmamento, os derradeiros raios de Sol batiam nas nuvens distantes, enquanto os dois discípulos tomavam rumos diferentes.
Sem embargo das carinhosas exortações de Tiago, Judas Iscariote passou a noite tomado de angustiosas inquietações.
Não seria melhor apressar o triunfo mundano do Cristianismo? Israel não esperava um Messias que enfeixasse nas mãos todos os poderes? Valendo-se da doutrina do Mestre, poderia tomar para si as rédeas do movimento renovador, enquanto Jesus, na sua bondade e simplicidade, ficaria entre todos, como um símbolo vivo da idéia nova.
Recordando suas primeiras conversações com as autoridades do Sinédrio, meditava na execução de seus sombrios desígnios.
A madrugada o encontrou decidido, na embriagues de seus sonhos ilusórios. Entregaria o Mestre aos homens do poder, em troca de sua nomeação oficial para dirigir a atividade dos companheiros. Teria autoridade e privilégios políticos. Satisfaria às suas ambições, aparentemente justas, afim de organizar a vitória cristã no seio de seu povo. Depois de atingir o alto cargo com que contava, libertaria a Jesus e lhe dirigiria os dons espirituais, de modo a utilizá-los para a conversão de seus amigos e protetores prestigiosos.
O Mestre, a seu ver, era demasiadamente humilde e generoso para vencer sozinho, por entre a maldade e a violência.
Ao desabrochar a alvorada, o discípulo imprevidente demandou o centro da cidade e, após horas, era recebido pelo Sinédrio, onde lhe foram hipotecadas as mais relevantes promessas.
Apesar de satisfeito com a sua mesquinha gratificação e desvairado no seu espírito ambicioso, Judas amava ao Messias e esperava, ansiosamente, o instante do triunfo, para lhe dar a alegria da vitória cristã, através das manobras políticas do mundo.
O prêmio da vaidade, porém, esperava a sua desmedida ambição.
Humilhado e escarnecido, seu Mestre bem-amado foi conduzido a cruz da ignomínia, sob vilipêndios e flagelações.
Daqueles lábios, que haviam ensinado a verdade e o bem, a simplicidade e o amor, não chegou a escapar-se uma queixa. Martirizado na sua estrada de angústias, o Messias só teve o máximo de perdão para seus algozes.
Observando os acontecimentos, que lhe contrariavam as mais íntimas suposiçôes, Judas Iscariote se dirigiu a Caifas, reclamando o cumprimento de suas promessas. Os sacerdotes, porém, ouvindo-lhe as palavras tardias, sorriram com sarcasmo. Debalde recorreu às suas prestigiosas relances de amizade: teve de reconhecer a falibilidade das promessas humanas. Atormentado e aflito, buscou os companheiros de fé. Encontrou-os vencidos e humilhados; pareceu-lhe, porém, descobrir em cada olhar a mesma exprobração silenciosa e dolorida.
Já se havia escoado a hora sexta, em que o Mestre expiara na cruz, implorando perdão para seus verdugos.
De longe, Judas contemplou todas as cenas angustiosas e humilhantes do Calvário. Atroz remorso lhe pungia a consciência dilacerada. Lágrimas ardentes lhe rolavam dos olhos tristes e amortecidos. Mau, grado à vaidade que o perdera, ele amava intensamente ao Messias.
Em breves instantes, o céu da cidade impiedosa se cobriu de nuvens escuras e borrascosas. O mau discípulo, com um oceano de dor na consciência, peregrinou em derredor do casario maldito, acalentando o propósito de desertar do mundo, numa suprema traição aos compromissos mais sagrados de sua vida.
Antes, porém, de executar seus planos tenebrosos, junto à figueira sinistra, ouvia a voz amargurada do seu tremendo remorso.
Relâmpagos terríveis rasgavam o firmamento; trovões cavernosos pareciam lançar sobre a terra criminosa a maldição do céu vilipendiado e esquecido.
Mas, sobre todas as vozes confusas da Natureza, o discípulo infeliz escutava a voz do Mestre, consoladora e inesquecível, penetrando-lhe os refolhos mais íntimos da alma:
– “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Ninguém pode ir ao Pai, senão por mim....
pelo Espírito Humberto de Campos - Do livro: Boa Nova, Médium: Francisco Cândido Xavier.
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