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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A Transição

A confiança na existência da vida futura não exclui as apreensões quanto à passagem desta para a outra vida. Há muita gente que teme não a morte, em si, mas o momento da transição. Sofremos ou não nessa passagem? Por isso se inquietam, e com razão, visto que ninguém pode escapar a esse momento. Podemos dispensar-nos de qualquer viagem neste mundo, menos essa. Ricos e pobres, devem todos fazê-la, e, se ela for dolorosa, nem posição nem fortuna poderiam suavizá-la.

Vendo-se a calma de alguns moribundos e as convulsões terríveis da agonia de outros, pode-se previamente julgar que as sensações experimentadas nem sempre são as mesmas. Quem poderá, no entanto, esclarecer-nos a tal respeito? Quem nos descreverá o fenômeno fisiológico da separação entre a alma e o corpo? Quem nos contará as impressões desse instante supremo, quando a Ciência e a Religião se calam? E calam-se porque lhes falta o conhecimento das leis que regem as relações do Espírito e da matéria, parando uma nos limites da vida espiritual e a outra nos da vida material. O Espiritismo é o traço de união entre as duas, e só ele pode dizer-nos como se opera a transição, quer pelas noções positivas que oferece sobre a natureza da alma, quer pela descrição dada pelos que deixaram este mundo. O conhecimento do laço fluídico que une a alma ao corpo é a chave desse e de muitos outros fenômenos.

A insensibilidade da matéria inerte é um fato positivo. Só a alma experimenta sensações de dor e de prazer. Durante a vida, toda a desagregação material repercute na alma, que por este motivo recebe uma impressão mais ou menos dolorosa. É a alma e não o corpo quem sofre, pois este é apenas o instrumento da dor e a alma é o paciente. Após a morte, estando separada a alma, o corpo pode ser livremente mutilado que nada sentirá. A alma, estando isolada do corpo, nada experimenta da destruição orgânica. A alma tem sensações próprias, cuja fonte não reside na matéria tangível.

O perispírito é o envoltório físico da alma e não se separa dela nem antes nem depois da morte, e com a qual se pode dizer que forma um todo, e não se pode conceber uma sem outro. Durante a vida o fluido perispirítico penetra o corpo, impregnando-o em todas as suas partes, e serve de veículo às sensações físicas da alma, do mesmo modo como esta, por seu intermédio, atua sobre o corpo e dirige-lhe os movimentos. (1)

A extinção da vida orgânica acarreta a separação da alma em consequência do rompimento do laço fluídico que a une ao corpo, mas essa separação nunca é brusca. O fluido perispiritual só pouco a pouco se desprende de todos os órgãos, de maneira que a separação só é completa e absoluta quando não reste mais um único átomo do perispírito ligado a uma molécula do corpo. A sensação dolorosa que a alma experimenta, por ocasião da morte, está na razão direta da quantidade dos pontos de contato existentes entre o corpo e o perispírito, determinando a maior ou menor dificuldade ou lentidão que apresenta o rompimento. Não é preciso, portanto, dizer que, conforme as circunstâncias, a morte pode ser mais ou menos penosa. Estas circunstâncias é que nos cumpre examinar.


Estabeleçamos, em primeiro lugar, e como princípio, os quatro seguintes casos, que podemos encarar como situações extremas dentro de cujos limites há uma infinidade de variantes:

1° - Se no momento em que se extingue a vida orgânica o desprendimento do perispírito fosse completo, a alma nada sentiria absolutamente;

2° - Se nesse momento a união dos dois elementos estiver no auge de sua força, produz-se uma espécie de ruptura;

3° - Se a coesão for fraca, a separação torna-se fácil e opera-se sem abalo;

4° - Se após a cessação completa da vida orgânica existirem ainda numerosos pontos de contato entre o corpo e o perispírito, a alma poderá sentir os efeitos da decomposição do corpo, até que o laço inteiramente se desfaça.

Daí resulta que o sofrimento que acompanha a morte está subordinado à força adesiva que une o corpo ao perispírito e que tudo o que puder atenuar essa força, facilitar a diminuição desse estado, e acelerar a rapidez do desprendimento, torna a passagem menos penosa; e, finalmente, que, se o desprendimento se operar sem nenhuma dificuldade, a alma deixará de experimentar qualquer sentimento desagradável.

Na transição da vida corporal para a espiritual produz-se ainda um outro fenômeno de importância capital – a perturbação. Nesse instante a alma experimenta um entorpecimento que paralisa momentaneamente as suas faculdades, neutralizando, ao menos em parte, as suas sensações. É como se ficasse, por assim dizer, em um estado de catalepsia, de modo que a alma quase nunca testemunha conscientemente o derradeiro suspiro. Dizemos quase nunca porque há casos em que a alma pode contemplar conscientemente o desprendimento.

A perturbação pode, pois, ser considerada como um fato normal no instante da morte, podendo perdurar por tempo indeterminado, variando de algumas horas a alguns anos. À proporção que se liberta, a alma encontra-se numa situação comparável à de um homem que desperta de um profundo sono: as ideias são confusas, vagas, incertas; a visão apenas distingue como que através de um nevoeiro, mas pouco a pouco se aclara, desperta-se-lhe a memória e o conhecimento de si mesmo. Mas isso de acordo com as situações individuais. Para uns esse despertar é calmo e proporciona uma sensação deliciosa, mas, para outros, é bem diferente, cheio de terror e angústia, semelhante a horrendo pesadelo.

O momento do último suspiro quase nunca é o mais doloroso, uma vez que ordinariamente ocorre em um momento de inconsciência e em geral a alma não chega a percebê-lo. Mas a alma sofre antes dele a desagregação da matéria, durante as convulsões da agonia, e, depois, as angústias da perturbação. Demo-nos pressa em afirmar que esse estado não é generalizado, porquanto a intensidade e duração do sofrimento estão na razão direta da afinidade existente entre corpo e perispírito. Assim, quanto maior for essa afinidade, tanto mais penosos e prolongados serão os esforços da alma para desprender-se. Há pessoas nas quais a união é tão fraca que o desprendimento se opera por si mesmo, como que naturalmente, sem dificuldades; é como se um fruto maduro se desprendesse do seu caule. É o caso das mortes calmas, de pacífico despertar.

A causa principal da maior ou menor facilidade de desprendimento é o estado moral da alma. A afinidade entre o corpo e o perispírito é proporcional ao apego à matéria, que atinge o seu máximo no homem cujas preocupações dizem respeito exclusiva e unicamente à vida e aos gozos materiais. Ao contrário, nas almas puras, que antecipadamente se identificam com a vida espiritual, o apego é quase nulo. E desde que a lentidão e a dificuldade do desprendimento estão na razão do grau de pureza e desmaterialização da alma, de nós somente depende o tornar fácil ou penoso, agradável ou doloroso, esse desprendimento.

Posto isto, quer como teoria, quer como resultado de observações, resta-nos examinar a influência do gênero de morte sobre as sensações da alma nos últimos transes.


Em se tratando de morte natural, resultante da extinção das forças vitais pela idade ou pela doença, o desprendimento opera-se gradualmente; para o homem cuja alma se desmaterializou e cujos pensamentos se destacam da atração das coisas terrenas, o desprendimento quase se completa antes da morte real, isto é, ao passo que o corpo ainda tem vida orgânica, a alma já penetra a vida espiritual, apenas ligada ao corpo por elo tão frágil que se rompe sem dificuldade com a última pancada do coração. Nesta situação o Espírito pode já ter recuperado a sua lucidez, de modo a tornar-se testemunha consciente da extinção da vida do seu corpo, considerando-se feliz por tê-lo deixado. Para esse a perturbação é quase nula, ou antes, não passa de ligeiro sono calmo, do qual desperta com indizível impressão de felicidade e esperança.

No homem materializado e sensual, que mais viveu para o corpo que para o Espírito, e para o qual a vida espiritual nada significa, nem sequer lhe toca o pensamento, tudo contribui para estreitar os laços materiais, que ligam a alma à matéria, pois nada contribuiu para os relaxar durante a vida, e, quando a morte se aproxima, o desprendimento, conquanto se opere também gradualmente, demanda contínuos esforços. As convulsões da agonia são indícios da luta do Espírito, que às vezes procura romper os elos resistentes, e outras vezes se agarra ao corpo, do qual uma força irresistível o arrebata com violência, molécula por molécula.

Quanto menos vê o Espírito além da vida corporal, tanto mais se apega à vida material, e, assim, sente que ela lhe foge e quer retê-la; e, em vez de se abandonar ao movimento que o arrasta, resiste com todas as forças e pode mesmo prolongar a luta por dias, semanas e meses inteiros.

Certo, nesse momento, o Espírito não possui toda a lucidez, visto que a perturbação há muito tempo se antecipou à morte; mas nem por isso sofre menos, e o estado de vácuo mental em que se encontra, e a incerteza do que lhe sucederá, agravam-lhe as angústias. A morte chega, e nem por isso está tudo terminado; a perturbação continua, ele sente que vive, mas não sabe se essa vida é material ou espiritual; luta, e luta ainda, até que as últimas ligações do perispírito com o corpo se tenham de todo rompido. A morte pôs termo à moléstia que ele sofria, porém, não lhe sustou as consequências, e, enquanto existirem pontos de contato do perispírito com o corpo, o Espírito ressente-se e sofre com as suas impressões.

Quão diversa é a situação do Espírito desmaterializado, mesmo nas enfermidades mais cruéis! Sendo frágeis os laços fluídicos que o prendem ao corpo, rompem-se suavemente; e, além disso, a confiança do futuro, que ele já entrevê mentalmente e às vezes mesmo de maneira real, como sucede algumas vezes, o faz encarar a morte como libertação e as suas consequências como prova, advindo-lhe daí a tranquilidade moral e a resignação que lhe amenizam o sofrimento. Após a morte, tendo sido rompidos os laços de maneira instantânea, nem uma só reação dolorosa o afeta; ao despertar sente-se livre, disposto, aliviado por um grande peso e muito feliz por não estar mais sofrendo.

Na morte violenta as sensações não são precisamente as mesmas. Nenhuma desagregação inicial tendo começado previamente à separação do corpo e do perispírito, a vida orgânica em plena exuberância de força é subitamente aniquilada. Nestas condições, o desprendimento só começa depois da morte e não pode completar-se rapidamente. O Espírito, colhido de surpresa, fica como que aturdido e sente, e pensa, e acredita-se vivo, prolongando-se esta ilusão até que compreenda o seu estado.

Esse estado intermediário entre a vida corporal e a espiritual é um dos mais interessantes para ser estudado, porque apresenta o espetáculo singular de um Espírito que julga material o seu corpo fluídico, experimentando ao mesmo tempo todas as sensações da vida orgânica. Há, além disso, dentro desse caso, uma série infinita de modalidades que variam segundo o caráter, os conhecimentos e progressos morais do Espírito. Para aqueles cuja alma está mais purificada, a situação pouco dura, porque já possuem em si como que um desprendimento antecipado, que a morte, mesmo súbita, não faz senão apressar.

Outros há, para os quais a situação se prolonga por anos inteiros. É uma situação essa muito frequente até nos casos de morte comum, que, nada tendo de penosa para Espíritos adiantados, se torna horrível para os atrasados. No suicida, principalmente, excede a toda expectativa e essa situação se faz ainda mais penosa. Preso ao corpo por todas as suas fibras, o perispírito faz repercutir na alma todas as sensações daquele, com sofrimentos cruciantes.


O estado do Espírito por ocasião da morte pode ser assim resumido: tanto maior é o sofrimento do Espírito quanto mais lento for o desprendimento do perispírito; a presteza deste desprendimento está na razão direta do adiantamento moral do Espírito; para o Espírito desmaterializado, de consciência pura, a morte é qual um sono breve, isento de agonia, e cujo despertar é suavíssimo.

Para que cada qual trabalhe na sua própria purificação, reprimindo as más tendências e dominando as paixões, preciso se faz que abdique das vantagens imediatas em prol do futuro, visto como, para identificar-se com a vida espiritual, encaminhando para ela todas as aspirações e preferindo-a à vida terrena, não basta crer, mas é preciso compreender.

Devemos considerar essa vida debaixo de um ponto de vista que satisfaça ao mesmo tempo à razão, à lógica, ao bom senso e ao conceito em que temos a grandeza, a bondade e a justiça de Deus.

Considerado deste ponto de vista, o Espiritismo é, de todas as doutrinas filosóficas que conhecemos, a que exerce mais poderosa influência, pela fé inabalável que proporciona.

O espírita sério não se limita a crer, porque compreende, e compreende, porque raciocina; a vida futura é uma realidade que se desenrola incessantemente a seus olhos; uma realidade que ele toca e vê, por assim dizer, a todos os instantes e de modo que a dúvida não pode penetrar na sua mente, ou ter guarida em sua alma. A vida corporal, tão limitada, se apaga diante da vida espiritual, que se apresenta como a verdadeira vida.

Que lhe importam os incidentes da jornada, se ele compreende a causa e utilidade das vicissitudes humanas, quando suportadas com resignação? As relações diretas que mantém com o mundo invisível elevam-lhe a alma. Os laços fluídicos que o ligam à matéria se enfraquecem. E é assim que vai se operando por antecipação o desprendimento parcial que facilita a passagem desta para a outra vida. A perturbação consequente à transição pouco perdura, porque, uma vez franqueado o passo, para logo se reconhece, nada estranhando, antes compreendendo, a sua nova situação.

Com certeza não é só o Espiritismo que nos assegura esse resultado, nem ele tem a pretensão de ser o meio exclusivo, a garantia única de salvação para as almas. Porém, pelos conhecimentos que fornece, pelos sentimentos que inspira, como pelas disposições em que coloca o Espírito, fazendo-o compreender a necessidade de melhorar-se, facilita enormemente a salvação. Ele dá a mais, e a cada um, os meios de auxiliar o desprendimento doutros Espíritos ao deixarem o invólucro material, abreviando-lhes a perturbação pela evocação e pela prece.

Pela prece sincera, que é uma forma de magnetização espiritual, provoca-se a desagregação mais rápida do fluido perispiritual; pela evocação conduzida com sabedoria e prudência, com palavras de benevolência e conforto, combate-se o entorpecimento do Espírito, ajudando-o a reconhecer-se mais cedo, e, se é sofredor, incute-se-lhe o arrependimento - único meio de abreviar seus sofrimentos.

- Texto retirado do livro “O Céu e o Inferno” - Allan Kardec / 2ª Parte - Cap. I
- Nota do blog Espírita na Net – Edição realizada dos textos retirados do livro “O Céu e o Inferno”, das editoras FEB (40ª Edição) e LAKE (12ª Edição - Com tradução de J. Herculano Pires).

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